sábado, junho 24, 2006

Entrevista Alan Moore - Parte 04


Dossiê Negro, a bíblia da Liga Extraordinária

Liga Extraordinária


Há planos para lançar neste ano um novo álbum da Liga Extraordinária, não? Pode adiantar alguma coisa do enredo, os personagens? Sim, mas antes há algo que quero ressaltar a respeito disso: este não será o terceiro volume da Liga Extraordinária. Será o último livro que sairá pela ABC, comprada pela DC Comics, para quem não trabalho mais... Aquela história. Este será o último álbum distribuído por eles. O terceiro volume da Liga Extraordinária vai ser lançado por outra editora em algum ponto do ano que vem. Esse material que estará nas lojas no verão [inverno no Brasil] chama-se O Dossiê Negro. É uma espécie de livro-guia. Sabe aquelas edições furrecas, de produção barata, que as pessoas lançam quando querem explorar a boa vontade do público? São volumes cheios de fatos e detalhes sobre um hardware qualquer ou sobre um livro, um autor, coisa do tipo. Não queríamos fazer isso. É um recurso barato, deselegante. Então, o que pensamos foi num tipo de livro-fonte, mas num patamar de concepção e execução muito, muito superiores. Um tipo de obra em que pudéssemos ter detalhes maravilhosos nesse contexto de livro-guia, mas que também pudesse acolher uma boa história em paralelo.

Meio difícil de imaginar, não? Mas funciona. Foi uma tentativa de corrigir a fenda desse tipo de publicação. Um dos grandes defeitos desses livros é que são em geral chatíssimos, não têm estofo, não têm história. O que resolvemos aplicar em Dossiê Negro é uma história, ambientada em 1958, quando dois membros sobreviventes da Liga, que neste ponto rompeu todos os seus laços com o MI 5, invadem o quartel-general da organização e roubam o tal arquivo chamado Dossiê Negro. Esse material contém informações sobre a Liga Extraordinária... Eles o roubam para descobrir o quanto seus ex-empregadores sabiam a seu respeito. Ao surrupiar esse material, obviamente despertam a atenção dessa versão 1958 do MI 5, que despacha três agentes especiais para rastrear os dois fugitivos: Allan Quatermain e Mina Harker. Eles os perseguem por todo o país, tentando reaver tanto o Dossiê Negro como esses dois renegados. No curso desse arco da história, existe um punhado de momentos da dupla na estrada, em que Allan ou Mina se deterão e mergulharão no que há no dossiê.

Você mistura os gêneros na obra, certo? Sim. Nesse ponto, você terá algo entre 20 e 30 páginas de informações que estão no dossiê, incluindo uma tirinha de 25 páginas intitulada A Vida de Orlando, que é feita no estilo clássico das tirinhas britânicas. Então nós teremos, obviamente, a vida de um personagem que já havia sido mencionado na Liga, mas que não havia aparecido. E claro que segui essa coisa do livro da Virginia Woolf, que é bastante ambíguo e foi dedicado a Victoria West, com quem Woolf teve um forte relacionamento. O meu Orlando pode alternar de sexo e tem essa capacidade do herói imortal - ou heroína, a depender do caso. Ele, ou ela, é o pano de fundo da história. Faz total sentido. O personagem acaba sendo um recurso para percorrer a trama, que começa na cidade de Tebas, em 1190 a.C. Nós explicamos de onde veio Orlando e como ele/ela se tornou imortal, como desenvolveu essa capacidade de alternar entre os sexos feminino e masculino, e por que recebeu esse nome. Fazendo isso, utilizamos todas as suas versões anteriores da ficção - Orlando Furioso etc. Em resumo, nós temos essa narrativa em 25 páginas que percorre os eventos mais importantes do mundo da Liga Extraordinária nos últimos 3000 anos. Orlando esteve em todas as principais batalhas e conheceu as figuras mais importantes nesse período. Ele amarra a trajetória da equipe. Mas isso é apenas uma das coisas.

O que mais? Teremos tramas curtas sobre a existência da Liga nos anos 1920; algo das histórias de Jack Kerouac, que nos mostrará o que a ela fez nos Estados Unidos durante os anos 50; todos os personagens que já tiveram contato com a equipe serão apresentados, inclusive aqueles que não haviam sido ilustrados anteriormente... É... Essencialmente, teremos Allan e Mina na maior parte do tempo como os únicos membros visíveis na trama. As pessoas que os estão perseguindo são personagens um bocado importantes extraídos da ficção inglesa. Os leitores irão saber quem eles são...

Você não revela explicitamente quem são? Por quê? Bem, porque uma das diferenças entre escrever uma história ambientada nos anos 1950 e nos 1890 é que a maioria dos personagens desse último período está em domínio público. Quando você começa a se aproximar dos dias de hoje, quase nenhum dos personagens está nessa categoria. O que significa, obviamente, que você terá de aplicar um cuidado enorme quando apresentá-los. Se você se lembra do primeiro álbum da Liga, que está situado no século 19, você vê lá alguém que se assemelha ao personagem Fu Manchu. Mas ele não é citado como Fu Manchu, é apenas um chefão poderoso chinês... Ele é chamado simplesmente de Doutor... A coisa é que você pode contar com o fato de que os leitores já estão familiarizados com esses personagens. Você não precisa necessariamente citar os seus nomes registrados, a marca...

Em resumo, é a bíblia da Liga... O álbum dará, ao final, um panorama da história da Liga Extraordinária de um jeito que, tenho certeza, não decepcionará os leitores... Eu não gostaria de resumir deste jeito, mas diria que é uma extraordinária continuação da Liga Extraordinária [ri], com um pacote adicional de extras muito ambicioso. Criamos uma pancada de coisas... Um vinil, material em 3D, um livrinho daqueles catecismos pornográficos, um diagrama esquematizado do Nautilus, mapas do mundo da Liga... Será um pacote muito divertido. Se os leitores tiverem a mesma diversão que Kevin e eu tivemos para bolar e juntar tudo isso, missão cumprida.

Fonte: Revista Trip


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