terça-feira, agosto 01, 2006

Periferia em quadrinhos

Ferréz

"Tudo que eu queria era ver um gibi legal na banca. Pensei em todas as vezes que quis ler um quadrinho 'da hora', como o que fizemos, e não encontrava. Só havia ou gibis de humor ou de super-heróis, muito distantes da nossa realidade", respondeu Reginaldo Ferreira da Silva, o Ferréz, quando questionado sobre o que pretendia e o que espera de Os Inimigos não Mandam Flores, sua primeira incursão pelo universo das HQs. "Os Inimigos é um quadrinho adulto, bem-acabado, que conta uma história real e simples. É tudo que sempre quis fazer na vida. Tive de dar a volta na literatura para poder fazer quadrinhos", declara Ferréz, autor de Capão Pecado, Manual Prático do Ódio, obras que hoje são referência por trazerem a periferia para o primeiro plano das letras.

Os Inimigos não Mandam Flores (Pixel Media, 56 págs., R$ 29,90) tem texto de Ferréz, ilustrações de Alexandre de Maio e será lançado no dia 9 de setembro, com show dos Racionais e Chico César, em Sapopemba. "Quando vir Os Inimigos nas livrarias e bancas, vai ser o dia mais feliz da minha vida. Acho que vou chorar, mano", conta o criador de Igordão (protagonista de Os Inimigos) e que é fã de Constantine, Sin City, Lourenço Mutarelli. "Transubstanciação é um dos que sempre releio. Faz pouco tempo também li o Anti-Herói Americano. Mas Constantine é o melhor de todos, é herói humano demais, que até fuma", diz o garoto que juntava dinheiro para comprar gibi. "Cresci lendo tudo que chegava à minha mão. Os quadrinhos me ensinaram muito mais do que os livros. Lembro do meu pai me dizendo: 'Mas já acabou este gibi? Já quer outro novo? Lê esse aí de novo.' Mas, tirando Mauricio de Sousa e tirinhas de humor, eram heróis importados, nada tinham a ver com o Brasil."

Igordão, como seu criador, foi criado na periferia de São Paulo. Ferréz mudou-se ainda criança para Capão Redondo, zona sul da cidade, onde vive até hoje e de onde não pretende sair. Igordão é mais um anjo torto na obra do escritor. O personagem vive uma trilogia de inferno e purgatório. "Trilogia dá muito trampo pra fazer. Mas eu queria contar a saga de um cara comum, que é vítima, mas também é ator de sua vida. Fala de crime, mas não só. Não é um quadrinho só para a periferia. É para quem curte uma boa história." Da periferia paulistana também vem Alexandre de Maio, editor da revista Rap Brasil e aficionado por quadrinhos, responsável pelas belas ilustrações da graphic novel, que segue a tendência dos quadrinhos adultos.

É nas graphic novels que a Pixel pretende investir cada vez mais. Além dos lançamentos internacionais, como Corto Maltese, a Pixel lança em breve o inédito O Curupira, de Flávio Colin, morto em 2002. "É um material diferente do que estamos acostumados, é sofisticado", comenta Odair Júnior, editor-chefe da Pixel: "Apesar de ser trilogia, cada livro pode ser lido separadamente. O público de Os Inimigos não se restringe ao tradicional de quadrinhos, mas a quem aprecia cultura popular."

Esta não é a primeira vez que o underground das grandes cidades brasileiras ganha os quadrinhos. Mas a periferia chegar em graphic novel às prateleiras das grandes livrarias do País é inédito. Salvo O Vira-Lata (de Paulo Garfunkel e Libero Malavoglia), lançado no fim dos anos 80 como parte da histórica Animal, que misturava trabalhos de artistas brasileiros, europeus e americanos, nada parecido havia sido publicado no Brasil.

O Vira-Lata fazia uso de uma prosa adulta, evocava mitos do candomblé, do cinema noir, de Corto Maltese de Hugo Pratt para contar as agruras de um justiceiro que vagava pela violenta noite paulistana. Igordão é diferente. Nada tem de fascinante, mítico ou sedutor à primeira vista. "Ele se vê às voltas com o crime, é preso e condenado. Na cadeia, piora. Entra para o tráfico. Nesse meio tempo, se vê às voltas com a Central do Crime Organizado. Até que sai da cadeia e completa sua saga", adianta Ferréz.

Central do Crime Organizado? Ferréz faz questão de esclarecer que qualquer semelhança com o PCC é mera coincidência. O escritor foi ameaça do após fazer declarações em seu blog sobre as chacinas paralelas aos conflitos de maio entre a polícia e a facção criminosa e decidiu passar uma semana longe de casa. Agora, Ferréz prefere não dar mais declarações. "Reservei essa entrevista à Trip (edição que está nas bancas) para falar tudo que penso a respeito da violência na cidade. E não vou falar mais disso. Quando houve aquele pânico em maio, um tanto de gente ligou aqui pedindo declaração. Não tenho culpa se os jornalistas não conhecem ninguém da perifa."

E como os garotos do seu bairro receberão Os Inimigos...? "Acho que vão gostar. Faremos preços promocionais para os 'muleque'. Vou pôr à venda na minha loja e doar para as bibliotecas que já ajudamos a manter aqui", diz Ferréz, que criou grife 1DASUL para poder estampar frases de seus livros em camisetas. Para o segundo e terceiro números, ele diz sentir-se mais seguro. "O primeiro escrevi em prosa, depois o Alexandre desenhou. O segundo já estou fazendo em forma de roteiro. No segundo me soltei mais, começo a brincar e ironizar os heróis clássicos. O personagem cagüeta, por exemplo, é o Batman", diz Ferréz, que adora o homem-morcego e Homem-Aranha. "Já o Super-Homem não dá. Pensei em ver o filme novo, mas não agüento. É muito politicamente correto pro meu gosto."

E, já que há enxurradas de camisetas com os heróis americanos, que tal estampar Igordão nas camisetas da 1DASUL? "Não é que é uma boa idéia?".

Fonte: Estadão

Veja imagens de Os Inimigos não Mandam Flores
aqui (youtube).

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